domingo, 11 de janeiro de 2009

A FILOSOFIA DA DISCIPLINA - Dr. R. J. Rushdoony


Antes de podermos discutir o significado de disciplina, é sumariamente necessário esclarecer que ela não deve ser confundida com castigo. Essas duas palavras necessitam de uma definição cuidadosa. Castigo provém do latim castus, puro, casto, e está relacionado com castidade. O castigo é corretivo e seu propósito envolve misericórdia. Seu significado está claramente descrito em Hebreus 12:5-11. O castigo se apresenta ali como evidência do amor e interesse do Pai por seus filhos ao corrigi-los.

Castigo sem disciplina é ineficaz. Muitos pais pensam que, ao castigar fisicamente seus filhos ou dar-lhes reprimendas intermináveis, vão discipliná-los de uma maneira efetiva. Mas a menos que alguém seja, antes de tudo, disciplinado, o castigo de nada servirá. Tudo que sobrará para ela é punição e juízo.

Disciplina é instrução e direção para um estilo de vida ordenado que chega a se tornar uma segunda natureza para a pessoa envolvida. A disciplina costumava definir-se nesses termos. Nos termos da antiga e hoje obsoleta disciplina do exército, um soldado era treinado e instruído até o ponto em que suas respostas a certas situações, ordens e problemas fossem automáticas. Era algo comum para os soldados bem treinados descrever como, em uma situação crítica, reagiram instantaneamente e fizeram todas as coisas corretas sem ter a oportunidade de refletir sobre elas. Os bons motoristas, os que são disciplinados, fazem o mesmo: em uma situação crítica reagem de forma instantânea e correta antes de se darem conta do que fizeram.

A disciplina cristã é similar. A criança é treinada sistematicamente na fé, no conhecimento da Bíblia e suas exigências, em toda área necessária de estudo, e é tão completamente imbuída nisto que chegar a ser parte de sua natureza. Ela age e raciocina nestes termos.

A disciplina cristã é uma parte necessária da santificação. É algo básico para a regeneração. O homem regenerado é o mais disciplinado, porque tem o fundamento, uma nova natureza, que está em plena harmonia com a disciplina que se requer dele. Quanto mais cresce em termos dessa disciplina, mais útil chega a ser para seu Senhor. Contudo, mesmo sem a regeneração, a disciplina cristã traz muitos benefícios.

Sabemos que em 1815 a idade média dos criminosos nos Estados Unidos era de 45 anos; demoravam-se alguns anos para que alguém, mesmo não regenerado, suprimisse a disciplina da então educação universal cristã. Por outro lado, os adultos que agora são convertidos mas que possuem um histórico de indisciplina na família e em sua vida escolar geralmente têm um obstáculo insuperável a vencer.

Um homem que apenas sabe ler e escrever, e cuja habilidade para organizar e ordenar sua vida é quase nula, chega a ser, ao converter-se, um filho redimido de Deus, porém um filho muito ineficiente. A disciplina cristã requer a cooperação da igreja, da família e da escola. A igreja é um ponto seriamente débil nesta situação. A disciplina da escola dominical geralmente é capenga, e carente de disciplina. Até mesmo os membros adultos da igreja são indisciplinados, e o que a igreja ensina é pouco para remediar a situação.

A santificação piedosa requer disciplina. Muitos pastores e igrejas preferem substituir a disciplina pelo entusiasmo, e isto agrava o problema, porque nada pode tomar o lugar da disciplina. No entusiasmo, eu sou soberano, não Deus; chego a me emocionar com algo, e respondo a isto: é uma decisão minha. Na disciplina cristã, eu sei que, devido a pertencer ao Senhor, é minha responsabilidade, privilégio e prazer fazer aquilo que Deus requer de mim. Ajo como um discípulo, não como um senhor.

É obrigação da igreja ensinar a disciplina e o discipulado. Os pais e os filhos necessitam ser instruídos sistematicamente no significado e exigências da disciplina. Hoje, em quase todas as igrejas, grande parte das crianças e dos jovens demonstram uma óbvia falta de disciplina.

A escola cristã deve animar cordialmente às igrejas para que ensinem e preguem sobre a disciplina. Há muitos textos excelentes na Escritura sobre o tema, especialmente em Deuteronômio e Provérbios. Considere Provérbios 22:6:“Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho, não se desviará dele.” Anualmente se deve enviar às igrejas listas de versículos, informações sobre a escola cristã, e uma nota sobre a necessidade de que a igreja, a família e a escola trabalhem juntas para ensinar a disciplina.

Os pais necessitam saber que não estão pagando à escola cristã para que ela assuma e resolva os problemas de educação e disciplina, mas para que ajude os pais nessa tarefa. A escola deve enviar a todos os pais declarações escritas, não somente didáticas, mas de cooperação. Os pais não gostam de ouvir sobre como devem lidar com seus próprios filhos, de modo que qualquer declaração requer tato e inteligência. Deve-se enfatizar que a disciplina requer a cooperação da igreja, da escola e da família. Cada um tem sua própria tarefa distinta e não pode infringir a tarefa do outro.

A escola, para cumprir sua própria responsabilidade com respeito à disciplina, deve ela mesma ser disciplinada. Isto também é algo que muitas vezes falta. As melhores escolas buscam continuamente crescer em sua capacidade de ensinar, em seu conhecimento das matérias, e em sua própria fé. Algumas escolas realizam reuniões anuais de mestres para trabalhar na melhoria do ensino; outras participam de conferências regionais. De uma forma ou outra a escola tem a obrigação de ser disciplinada. Escolas e professores indisciplinados não podem produzir estudantes disciplinados.

Além disso, a disciplina não é algo que se relaciona diretamente com a vida da família, da igreja ou da escola, mas sim com uma vida aos pés de Deus, aonde quer que estejamos. À luz da Escritura nos é dito que o propósito da educação hebraica é “educar a criança com o objetivo de prepará-la e equipá-la para ser um servo de Deus; é educação dos filhos para Deus.”1

A educação romana antiga, por outro lado, “não era a transmissão do conhecimento; era a transmissão da tradição.”2

Nossa disciplina é um fracasso se sua natureza essencial for a transmissão de uma tradição, presbiteriana, batista, episcopal, ou qualquer outra que se queira. Até pode ser uma boa tradição, porém o propósito da disciplina deve ser um objetivo maior: o discipulado em Cristo. Para esta disciplina, a igreja, a escola e a família têm, cada uma delas, sua contribuição distinta a fazer: preparar a criança para ser o mais competente possível na vida em cumprimento ao seu chamado aos pés de Deus.

Tradução: Márcio Santana Sobrinho
Fonte: The Philosophy of the Christiam Curriculum, p. 121-123.
http://www.monergismo.com/textos/educacao/filosofia_disciplina_Rushdoony.pdf
1 William Barclay: Train Up a Child, Educational Ideals in the Ancient World, p. 48. Philadelphia, Pennsylvania:
Westminster Press, 1959.

2 Ibid., p. 159

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