sábado, 2 de fevereiro de 2008

A SUPERIORIDADE MORAL DOS ATEUS, CÉTICOS E RELATIVISTAS



Este texto eu escrevi em 22 de julho de 2002 e publiquei no meu jornalzinho que divulgava na UFPa. Fala sobre a pretensa superioridade moral e intelectual do ateísmo e ceticismo militante, em particular, do materialismo como pensamento ideológico nos meios ditos "letrados". Algumas pessoas achavam que era uma crítica à religião, já que é normal que os acadêmicos universitários, tendo banido Deus das discussões filosóficas, presumem-se os suprasumos da moralidade e da inteligência. O título do texto, por si só, não deixa de ser irônico.

Nos centros intelectuais, é modismo dos militantes da intelectualidade e da inteligentsia, o posicionamento do ceticismo, do relativismo e do ateísmo como sinônimos de inteligência abençoada contra a ignorância congênita da fé religiosa e da moral cristã. O pressuposto intelectual do relativismo, do ceticismo e do ateísmo em certos intelectuais é de que seu posicionamento ideológico pressupõe um certo grau de santidade, ou de superioridade moral sobre os religiosos ou moralistas. “A religião é o ópio do povo”, reverberam esses iluminados intelectuais. Ou pérolas como “a religião só trouxe violência, sangue e intolerância”. Malgrado a crítica contra a fé, contra Deus, contra a Cristandade e toda a natureza de chavões a fim de chocar pobres beatas, os céticos, relativistas e ateus citam toda a sorte de malefícios da fé religiosa: inquisição, perseguições em massa, fogueiras santas, violações da liberdade de consciência, superstições, fanatismo, etc. Esses intelectuais, filhotes da prepotência típica do materialismo e do niilismo do século XIX, misturada à fé sacrossanta na ciência, esquecem das conseqüências que suas crenças causaram no século XX. A “razão”, a “dialética”, a “biologia das raças”, a “ciência natural” e toda essa credulidade associada às convicções políticas nos legaram mais sofrimento, mais violência, mais perversões morais e filosóficas do que a religião em mais de dois mil anos de história!

Não há nada intrinsecamente mal em ser ateu, cético ou relativista. Existem pessoas movidas pelo bom senso que não se viciam pelo aval de suas aparentes descrenças. Contentam-se apenas em desacreditar e não incomodar o resto. Não há nada que os comprometam moralmente, embora haja uma aparente contradição: um cético ou um relativista, ou mesmo um ateu, por mais que seja um niilista filosófico, a sua forma de valorizar, praticar ou crer na moralidade é uma posição que contradiz seus postulados ideológicos. Podemos dizer que alguns deles, sob determinados aspectos, são moralmente mias religiosos do que muitos crentes em Deus. Todavia, tampouco há algo que os incline a serem melhores ou mais moralistas do que os religiosos e ascetas. Nem mesmo se pode afirmar que o cético tenha algum pressuposto maior de tolerância do que o religioso. E é neste sentido que o relativismo, o ateísmo e todos os materialistas não estão isentos dos crimes tão ou mais cruentos quanto os crimes atribuídos à religião. Pelo contrário, a relativização de tudo encontrou terreno muito maior na intolerância e no despotismo do que a mera crença moral ou religiosa. Por uma razão muito simples: a descrença em todo tipo de verdade e todo tipo de princípio moral acabou levando às pessoas a não justificarem suas crenças, mas sim impô-las, sobrepujando a tendência racional de justificar uma verdade, pela persuasão arbitrária. Na prática, sem os critérios básicos de referência entre verdade e erro, as idéias acabam por se tornar a imposição da “verdade” contra a “verdade” de outro. Se não há pressupostos morais e éticos que imponham referências ou limites à imposição e ao poder, logo, para todos os efeitos, tudo é permitido, inclusive a violência, em razão de um interesse, que não se acredita verdadeiro, porém, conveniente. Se na visão cética, a busca da verdade se presume uma total alienação dogmática da realidade, a descrença total na verdade levou a uma espécie muito mais perversa de alienação e dogma, embasada na desmotivação, na indiferença e na negação de tudo o que o homem até então havia criado. A contradição intrínseca do ceticismo, do relativismo e de muitos ateus é a de que a afirmação categórica da inexistência da verdade acabou por se tornar um dogma do século XX, uma verdade absoluta.

Se o ceticismo, relativismo e o ateísmo se tornam dogmas, logo, para se “provar” o dogma, cabe destruir tudo que seja contrário a ela. E aí entra o papel dos intelectuais, como substitutos da moral religiosa e da ética política. Se a religião desenvolveu um conjunto de doutrinas morais e filosóficas de explicação do mundo, os intelectuais modernos inventaram outra forma de religião camuflada: a ideologia. A ideologia pouco difere da religião, em sua construção lógica. O destaque para a diferença é que a ideologia assume uma espécie de religiosidade caricatural, doentia e vazia. Ela possui todos os ingredientes de uma fé sectária: premissas absolutistas e uma lógica que explica toda a realidade por si mesma. Ou seja, a ideologia constrói uma lógica coerente, embora suas premissas dogmáticas fujam da realidade. Na verdade, como já diziam alguns filósofos, a ideologia é um novo ocultismo gnóstico, cuja demência presume sacrificar a realidade pela idéia. O que era antes a metodologia na construção de um pensamento, no caso a lógica ou a dialética, acaba por se tornar um fim em si mesmo. A ideologia, antes de apresentar contradições intrínsecas à realidade, dentro da dialética como princípio lógico, acaba por justificá-la como “síntese”, ao invés de negá-la. O procedimento dialético não se torna apenas um método; é a explicação mesma da realidade. Mais precisamente, a dialética possui um subterfúgio que a omite de seu próprio auto-engano: se tudo é relação de contrários, logo, a premissa que contradiz o que é dialético está dentro de sua redoma dialética, portanto, afirmando sua própria gênese de movimento. Contudo, há uma grave contradição: se “tudo é dialético”, logo, a dialética se contradiz em seu contrário anti-dialético, que por sua vez, acaba por afirmar que nem tudo é dialético. No final, a dialética como razão de tudo acaba num completo absurdo lógico.

Se a ideologia cumpre seu papel lógico de justificativa de tudo, ainda que não preste contas à verdade, a relativização de tudo implica afirmar que toda a ideologia não se torna um pressuposto de verdade, e sim de instrumento de movimento, seja da política, das massas ou da história. Por mais que tais ideologias pressuponham explicar noções abstratas e acima dos homens, elas mesmas se assumem como mentirosas, na essência, já que o postulado da verdade não existe. O mantra do “tudo é relativo” é tão condizente com o “tudo é dialético”, pois ambas entram em surto lógico. Haja porque se “tudo é relativo”, até o relativo se relativiza e a premissa se auto-nega. Se muitos intelectuais relativistas e céticos se pautavam na negação da toda verdade absoluta, por outro lado, negando todas as verdades, acabaram por impor na marra as suas “verdades”, com os instrumentos da manipulação ou mesmo da coerção. Em particular, usaram os mecanismos despóticos de poder político: o Estado totalitário e o Partido único onipotente. O “intelectual orgânico” de Gramsci, a “consciência de classe” marxista-leninista, e “revolução cultural” de Mao Tse Tung, tal como a força da “vontade política” de Karl Schmidt, foram os instrumentos de molde ideológicos que os intelectuais e engenheiros sociais de laboratório inventaram para domesticar o homem. A função do “intelectual orgânico” de Gramsci não é mais a clássica busca da verdade e do conhecimento e sim o zelo pela “pureza ideológica” do Partido, expandindo-a a ponto de transformar a cultura humana mesma na extensão da ideologia partidária. A “consciência de classe” tão alardeada por Marx e Lênin é uma casta de “eleitos” pela história, que se preza a dominar toda uma sociedade, em nome da tirania da maioria. A “revolução cultural”, produto preparado por Gramsci e aplicado fielmente pelos regimes comunistas, entre os quais o chinês, foi o método estatal ditatorial expurgar quaisquer tipos de pessoas ou idéias “indesejáveis” ou “contra-revolucionárias”, através de uma completa lavagem cerebral na consciência particular dos cidadãos. A “vontade política” nazista de Schmidt é o pressuposto da força e da violência como fator determinante ao zelo mais alto da legitimidade política, pouco importando o bom senso ou a felicidade dos governados. Enfim, as ideologias materialistas de grande parte dos intelectuais modernos conspiram contra a liberdade humana, no intento de revolucionar o homem. Tais pensamentos visam homogeneizá-lo, “totalizá-lo”. O materialismo como crença pressupõe que os indivíduos sejam seres previsíveis, domesticáveis por alguma ordem mecânica, alguma “lei” com que possa ser lapidar e manipular a humanidade como uma raça amestrada pelo meio. Tais filosofias negam a importância das escolhas autônomas da pessoa humana e supõe como absoluto a “sociedade”, o “coletivo”, em algo compacto e uniforme, anulando qualquer forma de diferença.

O “homem ideal”, o “novo homem socialista”, tão idealizado pelos intelectuais materialistas fanáticos e por revolucionários sanguinolentos, não passa de um homem artificial, criado pelo imaginário da inteligentsia. No aval de derrubar o poder de Deus no céu, eles querem usurpar-lhe o lugar. Porém, a militância intelectual contemporânea, em suas várias facetas ideológicas, não somente construiu seu pensamento no niilismo filosófico, como também foram precursoras dos sistemas mais tirânicos que a humanidade já escreveu na história. Ao contrário do que se pensa, o totalitarismo nazista e comunista não foi mero produto de um irracionalismo amalucado de militantes profissionais e desajustados. Ele encontrou acolhida em grande parte dos intelectuais, que via nestes movimentos políticos, a causa matriz de suas próprias ideologias de luta de classe, de raças, etc. Antes da ralé nazista e bolchevista tomar o poder, as ideologias de violência e de revolução ocupavam os meios intelectuais e universitários como a expressão da mais alta cultura.

Os campos de concentração, o extermínio em massa de dissidentes, de judeus, de religiosos e de toda a natureza de indesejáveis foram conseqüências da idéia de que os movimentos totalitários cumpriam um ciclo racional da “luta das raças” ou da “dialética histórica da luta de classes”. A crença relativista acabou por consagrar que toda a história é “filha de seu tempo”, que não há nada atemporal que pudesse julgar os crimes que estavam sendo cometidos em nome de pensamentos tresloucados. Os religiosos, como contestadores dessa nova idolatria, foram condenados, vilipendiados, rotulados como “ignorantes”, “fanáticos”, “supérfluos”, “anti-científicos”, quando o século XX suscitou mais perseguições religiosas e crimes do que as piores perseguições ministradas por religiosos. Os judeus e cristãos pagaram tanto mais com suas vidas, como qualquer outra vitima de perseguição a hereges e ateus. Aliás, perseguições muitas vezes patrocinadas pela intelectualidade niilistas, que ao negar toda a verdade absoluta, a moral e a religião, endossava a matança de milhões de pessoas, em nome do fanatismo da descrença total. Toda sua relativização ideológica acabou se transformando numa isenção completa de consciência moral, pressupondo forjar e moldar a humanidade à sua imagem e semelhança.

O século XX foi povoado de ateus, céticos e relativistas cínicos, sanguinários e desumanos, cuja descrença (ou crença) no nada, cujo desprezo niilista pela humanidade se compactuou perfeitamente com a falta de perspectiva e confiança no homem. Qual o pressuposto moral superior dos ateus, céticos e relativistas com relação aos religiosos? A resposta é nenhum. Ambos são capazes, em nome da fé, da religião, da política, da ideologia ou até mesmo em razão da crença ou descrença absoluta, de patrocinarem tantas atrocidades possíveis. Da mesma forma que o amor à Deus não significa dizer que o fiel ame os homens, o mesmo se poderia dizer dos intelectuais materialistas que querem “transformar” o homem através da “revolução”. Ambos na prática, talvez só amem seus próprios egos e suas vaidades. Pelo menos, o que consola na religião é o princípio que implica a esperança, na continuidade e na eternidade, além da referencia moral que os ocidentais herdaram do Cristianismo e Judaísmo. Neste aspecto, tanto melhor isso do que a filosofia de desespero do niilismo intelectual.

Fonte: http://www.cavaleiroconde.blogspot.com/

Postado pelo Prof. Luis Cavalcante

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